Violência contra a mulher: a omissão também mata

O isolamento social imposto pela pandemia traz à tona, de forma potencializada, alguns indicadores preocupantes sobre a violência doméstica e a violência familiar contra a mulher. A Agência Brasil noticia um aumento relevante dos casos de violência em todas regiões do Brasil. O destaque negativo fica por conta de São Paulo, onde os atendimentos relativos à violência contra a mulher aumentaram em 44,9%.

Esses números nos mostram que não é tempo de pararmos de pensar em novas políticas públicas e maiores investimentos. É preciso cada vez mais adotar medidas para estancar esse tipo de comportamento.

Tal como na política de combate às drogas, que saiu do ambiente puro da criminologia, passando pelas práticas sociais e educacionais, culminando em direção da possibilidade jurídica do internamento compulsório (tudo em proteção da sociedade), também no tema da violência doméstica ainda enxergamos algumas rupturas que precisam de enfrentamento direto e imediato.

Uma das rupturas desse tema se deu nos idos de 2000, quando começamos a deixar de enxergar a violência doméstica como um direito restrito à vida privada e passamos a analisar pelos preceitos do direito público afeto à sociedade, trazendo para terceiros a possibilidade de interromper ou denunciar este crime, mesmo estando do lado de fora da residência.

Após a Lei Maria da Penha, temos o poder público promovendo campanhas contra o crime em si, para o encorajamento da vítima e, mais que isso, incentivando a denúncia através de linhas gratuitas e sites. Em paralelo, há a capacitação das forças policiais e dos profissionais de saúde para identificação da violência contra a mulher.

A pandemia trouxe inovações na forma de denúncia da própria vítima, como sinais que ela pode fazer ao vivo no vídeo que alertem os interlocutores da situação que está sofrendo, lojas virtuais com direcionamento para denúncias rápidas e até aplicativos que de forma rápida acionam as redes informais de proteção.

E também trouxe inovação legislativa, que pode significar um novo marco.

No dia 03/04/2020, foi sancionada a Lei Federal nº 13.984, que finalmente incluiu a obrigatoriedade de comparecimento do agressor aos programas de recuperação e reeducação, com acompanhamento psicossocial, mediante atendimento individual ou em grupo. Um maravilhoso avanço que tardou, mas chegou em tempo ainda de ressaltar a função de transformação social da Lei Maria da Penha.

Agora, além de todas as ferramentas de proteção individual da mulher agredida, extrai da situação odiosa, uma possível e buscada proteção para toda a sociedade.

Ainda no dia 13/04, restou aprovada no Distrito Federal a Lei nº 6.539/20, na qual impõe multa ao síndico ou administrador que não denunciar a violência que esteja em andamento dentro das unidades residenciais.
Com a mesma inspiração, após um episódio de agressão e feminicídio em Cariacica (também com o “testemunho sonoro” de vários vizinhos que se mantiveram omissos), a Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo aprovou o projeto de Lei n° 315/2020, que aplica aqui no estado a mesma obrigatoriedade de denúncia.

O legislador e a sociedade estão percebendo que aguardar pela reação voluntária dos indivíduos ainda não serve ao objetivo de proteção. Por isso caminham a passos largos para impor uma obrigação legal à sociedade em proteger o núcleo familiar, seja ele qual for.

Assim, temos ainda mais algumas rupturas a serem enfrentadas, mas, para o momento, precisamos sair da inércia, precisamos perder a vergonha, precisamos encorajar as vítimas. Mas precisamos também ter coragem para denunciar, entendendo que a violência doméstica não está no direito privado e, sim, como fonte de problema social que começa a sair da faculdade para um dever legal, que penaliza a nossa omissão.