Técnicas relatam medo e sequelas após surto no Santa Rita

Profissionais dizem que ainda não sabem como será a volta ao trabalho e que infecção poderia ter sido evitada

Por Redação
Cleidiane e Gilcenira foram infectadas pelo surto no hospital Santa Rita, em Vitória | Foto: Reprodução / TV SIM SBT

Trabalhando no setor E do Hospital Santa Rita — onde um surto de síndrome respiratória começou há cerca de um mês, em Vitória — as amigas Gilcenira Silva e Cleidiane Silva estavam acostumadas a cuidar dos pacientes que precisavam de atenção diária. Hoje, se recuperando da doença que assolou o hospital onde trabalham, são elas que precisam de cuidados.

Gilcenira, técnica de enfermagem, conta que ainda enfrenta sintomas da infecção. “Eu ainda sinto muita falta de ar. Eu não consigo nem varrer a casa. A médica pneumologista pediu repouso absoluto porque eu ainda canso muito”, relata.

Já Cleidiane lembra do medo que viveu enquanto esteve internada, nos dias em que ninguém ainda sabia o que havia causado o surto. “Quando eu dei entrada na UTI eu sabia que era muito grave. Na nossa vivência, a gente que trabalha com isso, eu conseguia ter um entendimento que eu não estava bem. Aí eu comecei a ficar desesperada, porque eu não sabia o que era”, diz.

Cleidiane ficou 14 dias internada em estado grave, sendo 9 deles na UTI | Foto: Reprodução / TV SIM SBT

Medo de infectar familiares

Segundo o relato das profissionais, Cleidiane foi quem apresentou o quadro mais grave. Além do fungo Histoplasma — responsável pelo surto —, ela também contraiu a Burkholderia, bactéria encontrada no bebedouro da sala de repouso da enfermaria. Foram 14 dias internada, nove deles em uma UTI.

Mãe solo de um adolescente de 14 anos, ela conta que seu maior medo era ter contaminado o filho.

“Eu pedia a Deus para não ter passado para ele. Só de lembrar daquele desespero eu começo a sentir tudo de novo. A gente vê a vida passando por um fio”, desabafa.

Impacto psicológico profundo

A conversa das amigas, que antes girava em torno da rotina e dos desafios da profissão, agora se transformou em desabafos sobre o trauma vivido. O impacto psicológico, segundo elas, é profundo.

“De uma coisa eu tenho certeza: eu vou precisar de um tratamento muito sério com um psicólogo, porque eu preciso tratar isso. Pra eu voltar a trabalhar lá eu preciso de um psicólogo. Se eu tivesse que voltar agora, eu não conseguiria”, afirma Gilcenira.

Gilcenira diz que tem medo de voltar ao trabalho | Foto: Reprodução / TV SIM SBT

Falta de manutenção já havia sido relatada

Além das sequelas respiratórias e do medo persistente, as funcionárias também relatam sensação de desamparo. As duas acreditam que a contaminação poderia ter sido evitada.

“Eu não sinto o cuidado que deveria ter tido não… Essa questão da manutenção do bebedouro, é uma coisa que a gente havia falado. Falta de manutenção do bebedouro, do ar-condicionado, a gente já tinha relatado isso”, critica Cleidiane.

Gilcenira reforçou a preocupação:

“Sinceramente, eu tenho medo de ser contaminada de novo. Eu não sei se [a doença] ainda está ali, se realmente acabou, o medo que eu tenho é: e se eu for contaminada agora? Eu posso morrer”, desabafa.

Fungo e bactéria deixaram 41 infectados
Mais de 100 casos suspeitos foram notificados

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa), o surto de síndrome respiratória registrado no Hospital Santa Rita foi causado por dois agentes diferentes: o fungo Histoplasma capsulatum e a bactéria Burkholderia cepacia. A confirmação ocorreu em 10 de novembro, após a conclusão da investigação epidemiológica e laboratorial.

Os exames foram conduzidos pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/ES), com apoio de instituições como a Fiocruz. O relatório final aponta que o fungo foi responsável pelo surto principal.

O Histoplasma está associado a ambientes com fezes de aves e morcegos e costuma causar infecções respiratórias, especialmente em locais fechados e mal ventilados. A transmissão ativa foi comprovada por técnicas como o exame sorológico Western Blot, que confirmou casos entre pacientes e profissionais.

Bactéria foi encontrada em amostra de água

A investigação também identificou a presença da bactéria Burkholderia cepacia, um patógeno oportunista em ambientes hospitalares. Ela foi detectada na água de um bebedouro do hospital e em exames de duas profissionais de saúde.

A bactéria pode provocar quadros mais graves em pessoas vulneráveis, principalmente em pacientes internados.

As investigações seguem em andamento para determinar como ocorreu a contaminação dentro da unidade.

De acordo com o Boletim da Sesa divulgado nesta quinta-feira (13), três pessoas ainda estão internadas por conta da doença, sendo 2 em UTI. No total, foram 303 casos registrados: 123 suspeitos, 41 confirmados e 139 descartados.

O que diz o hospital?

Em nota, o Hospital Santa Rita esclareceu que cumpre rigorosamente as normas de manutenção preventiva dos equipamentos de refrigeração e do sistema de distribuição de água, conforme determina a legislação sanitária vigente.

Além disso, a instituição ressalta que são realizadas análises periódicas de amostras de água e ar, as quais apresentam resultados compatíveis com as determinações da legislação sanitária nacional.

“Enfatizamos ainda que temos prestado todo suporte aos colaboradores, com amparo assistencial, emocional e social. Destacamos também que o Hospital segue empenhado em apurações para garantir a segurança de seu ambiente hospitalar, com análises laboratoriais adicionais.

O Hospital Santa Rita reafirma seu compromisso permanente com sua missão de cuidar com segurança e responsabilidade”, diz a nota.

Saiba mais:

* Com informações de Larissa Garcia, da TV SIM/SBT

Veja também

Privacidade

Para melhorar a sua navegação, nós utilizamos Cookies e tecnologias semelhantes.
Ao continuar navegando, você concorda com tais condições.