Tarifaço já impacta exportadores antes da data oficial

Setor de pescado, por exemplo, estima que R$ 300 milhões em produtos estejam parados

Por R7
Foto: Vosmar Rosa/MPOR/Arquivo

Oficialmente, as tarifas de 50% impostas pelo governo Trump entram em vigor daqui a pouco mais de uma semana, na próxima sexta-feira (1º), mas exportadores brasileiros de diversos setores já sentem os impactos antes mesmo da data. O setor de pescado, por exemplo, afirma que o comércio com os EUA (Estados Unidos da América) representa cerca de 70% do destino dos produtos exportados.

Em uma carta divulgada no início desta semana, a Abipesca (Associação Brasileira das Indústrias de Pescado) afirmou que, com as novas taxas, estima-se que cerca de R$ 300 milhões em produtos estejam parados entre pátios portuários, embarcações e unidades industriais.

Outro setor que já sente os efeitos, mesmo antes da vigência oficial das tarifas, é o industrial. O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, Claudio Bier, afirma que algumas empresas têm até 95% das operações voltadas para o mercado norte-americano.

“Temos empresas de madeira que exportam até 95% da produção para os Estados Unidos. Algumas vão fechar, outras já deram férias coletivas. Hotéis que recebiam importadores americanos estão vazios porque os compradores não vieram. O impacto já é real”, declarou.

Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, alerta que o cenário pode piorar caso o Brasil adote medidas retaliatórias.

“Se houver retaliação, haverá aumento de custo para tudo o que é importado dos EUA. Ou teremos que comprar de outras origens, muitas vezes em condições piores ou mais caras. E ainda há o risco de tréplica: o Brasil sobe tarifas aqui e os EUA sobem mais lá”, explicou.

Carne também é afetada

Outro setor já impactado por tarifas é o de carnes. Em apenas três meses, as exportações brasileiras para os Estados Unidos caíram 80%. Em julho, foram exportadas apenas 9.700 toneladas, contra mais de 47.800 toneladas em abril, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Essa redução drástica se deve à tarifa de 10% imposta pelos EUA desde abril sobre produtos brasileiros — e isso ainda sem considerar a nova tarifa de 50%.

Agronegócio em alerta

As tarifas de Trump também ameaçam a receita do agronegócio brasileiro, podendo provocar desequilíbrios de mercado e pressionar os preços pagos aos produtores. O alerta é do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.

Produtos mais expostos às tarifas:

  • Suco de laranja
  • Café
  • Carne bovina
  • Frutas frescas (manga e uva)

Segundo o Cepea, o suco de laranja é o produto mais sensível à nova política tarifária. Atualmente, já há uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada. Com a sobretaxa de 50%, o custo de entrada nos EUA aumentaria significativamente, comprometendo a competitividade do produto brasileiro. Os EUA importam cerca de 90% do suco que consomem — e o Brasil responde por 80% desse total.

“Essa instabilidade ocorre justamente em um momento de boa safra no estado de São Paulo e no Triângulo Mineiro. São 314,6 milhões de caixas projetadas para 2025/26, um crescimento de 36,2% em relação ao ciclo anterior. Com o canal norte-americano em risco, o acúmulo de estoques e a pressão sobre os preços internos tornam-se prováveis”, afirma a pesquisadora Margarete Boteon, da Esalq/USP.

No caso do café, os EUA são os maiores consumidores do mundo e importam cerca de 25% da produção brasileira — especialmente da variedade arábica. Como os americanos não produzem café, um aumento no custo de importação impactaria toda a cadeia local, desde torrefadoras até redes de varejo.

“A exclusão do café do pacote tarifário não é apenas desejável, é estratégica — tanto para a sustentabilidade da cafeicultura brasileira quanto para a estabilidade da cadeia de abastecimento norte-americana”, defende o pesquisador Renato Ribeiro, do Cepea.

Carne bovina

Os Estados Unidos são o segundo maior destino da carne bovina brasileira, atrás apenas da China (que responde por 49% das exportações). Empresas americanas compram cerca de 12% do total, com volumes recordes entre março e abril — acima de 40 mil toneladas por mês. Isso pode ter sido uma antecipação por parte dos compradores, diante do temor de novas tarifas. Os principais estados exportadores são São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Frutas frescas

manga é a fruta mais afetada, já que a janela crítica de exportação começa em agosto. Há relatos de adiamento de embarques devido à indefinição tarifária. A uva, cuja safra relevante para o mercado norte-americano se inicia em setembro, também está em alerta.

Antes do tarifaço, a expectativa era de crescimento nas exportações de frutas frescas, impulsionado pela valorização cambial e pelo aumento da produção. Agora, os produtores enfrentam incertezas e risco de queda nos preços.

Diplomacia como saída

Diante do cenário, especialistas e autoridades defendem o caminho da negociação.

A economista Carla Beni, da FGV (Fundação Getulio Vargas), destacou a tradição diplomática do Brasil. “Mesmo com a Lei da Reciprocidade, o primeiro passo é o diálogo. O segundo, acionar organismos internacionais. E só então pensar em retaliações”, disse à Record News.

Alfredo Cotait Neto, presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, reforça: “Bater de frente com os EUA seria um desastre total.”

O professor Hugo Garbe lembra que o Brasil depende mais economicamente dos EUA do que o inverso. “Não temos estrutura para um embate direto. A diplomacia precisa ser estratégica e focar na redução das tarifas.”

Para o mestre em finanças Hulisses Dias, da Universidade de Sorbonne, qualquer sinal de insegurança pode afastar investidores estrangeiros. “É preciso evitar retaliações diretas. O ideal seria buscar medidas que pressionem setores estratégicos americanos sem prejudicar a economia brasileira.”

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