Em “decisão urgente” na noite dessa segunda-feira (15), do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, o STJ determinou a suspensão da ordem de desocupação de uma área próxima à Vila de Itaúnas, em Conceição da Barra. A ordem havia sido proferida pela 1ª Vara Cível de Conceição da Barra, para ser executada na manhã desta terça-feira (16).
Para o ministro, há conflito de competência por envolver o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério Público Federal, devendo a demanda ser tratada na Justiça Federal.
A ação de reintegração foi impetrada pela empresa Suzano, que alega ter a propriedade da área, tendo o reconhecimento da justiça. Do outro lado, os moradores locais defendem que o território é tradicionalmente ocupado por remanescentes das comunidade de quilombos.
Protesto
Cerca de 130 famílias de pequenos agricultores que moram na área em questão, que fica na chegada da Vila de Itaúnas e é denominada Quilombo Itaúnas, fizeram nessa segunda-feira (15) um protesto contra a ordem judicial de reintegração.
Eles bloquearam o tráfego na rodovia ES-010 que dá acesso a Itaúnas, ateando fogo em pneus e galhos de árvores. Com isso, formou-se uma longa fila de carros nos dois lados da via. Os manifestantes afirmam que a área é integrante de território quilombola e que é ocupado por elas há anos, sendo ali que moram e dali que retiram seu sustento, com plantio de vários alimentos.
Decisão
Leia na íntegra a decisão do ministro Antônio Herman Benjamin:
“Trata-se de Conflito de Competência em que figura com suscitante o Tribunal
Regional Federal da 2ª Região e suscitado o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de
Conceição da Barra – ES.
Em apertada síntese, consta da decisão do Juízo suscitante que é processada,
no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a Apelação Cível n. 0000693-
61.2013.4.02.5003/ES, que tem como recorrente a SUZANO S. A. e como recorridos o
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA e
o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Trata-se de recurso contra a sentença de
primeiro grau, proferida em Ação Civil Pública movida pelo MPF, que declarou a
nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas outorgadas, mediante fraude, pelo
Estado do Espírito Santo à FIBRIA S/A, além da condenação do Estado do Espírito
Santo, consoante determina o art. 68 do ADCT e a Lei estadual 5.623, a titular as terras
devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual (em virtude da declaração de
nulidade), ocupadas tradicionalmente por remanescentes das comunidades de quilombos.
Também consta da decisão do Juízo suscitante que o INCRA informou
atualmente existir em andamento “processos de identificação, demarcação, titulação e
desintrusão de comunidades quilombolas nos municípios de Conceição da Barra e São
Mateus, sendo elas: São Domingos, Coxi, Angelin 1, Angelin 2, Angelin 3, Angelin do
meio, Roda D’água, Morro da Onça, Porto Grande, Córrego do Alexandre, Linharinho,
Serraria e São Cristóvão, Córrego do Chiado, São Jorge e Sítio Vala Grande, Córrego do
Macuco, Nova Vista I e Braço do Rio”.
Narra-se, ainda, que foi determinada, pelo Juízo suscitado, nos autos da Ação
de Reintegração de Posse movida pela SUSANO S.A. (Processo n.
5000217.74.2024.8.08.0015) contra aqueles que estão no local, a desocupação do
“Imóvel rural denominado ‘Fazenda Estrela do Norte’, situado nos lugares denominados
Rio Angelim, Perobas, Porto dos Tocos, distrito de Itaúnas, neste Município e Comarca
de Conceição da Barra”.
Pontua o Juízo suscitante, por fim, que, conforme “já decidiu o Colendo
Superior Tribunal de Justiça, o processo de demarcação e titulação das terras ocupadas
por comunidade remanescente de quilombo compete ao INCRA. Dessarte, ressoa
evidente que as demandas judiciais as quais envolvam a posse dessas áreas repercutem,
de todo o modo, no processo demarcatório de responsabilidade da autarquia federal
agrária. Logo é inarredável o interesse federal em tais demandas, razão pela qual deve ser
fixada a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento,
consoante o art. 109, I, da Constituição Federal”.
É o breve relatório.
Decido.
O presente Conflito positivo de Competência foi suscitado pelo
Desembargador Andre Fontes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no dia
12.9.2025, tendo sido recebido na Secretaria Judiciária do Superior Tribunal de Justiça
apenas na presente data (15.09.2025), sendo registrado e autuado no final do expediente
forense, quando não era mais possível a distribuição a um dos eminentes
Ministros componentes da Primeira Seção.
A reintegração de posse da área tida por supostamente ser de comunidade
remanescente de quilombo, contudo, está para ser operacionalizada amanhã (16.9.2025),
às 6h00am.
Em vista da excepcionalidade e urgência do caso, dos fundamentos apontados
pelo Juízo suscitante (competência da Justiça Federal na deliberação sobre a natureza da
área) e, também, do e-mail recebido no meu Gabinete nesta data – em que a Ouvidoria
Agrária Nacional aponta o pedido de reunião de caráter urgente sobre o conflito fundiário
referido –, entendo prudente, a bem da preservação das famílias que ocupam o local,
suspender, com fundamento nos arts. 64, § 4º, 300 e 955 do CPC, a ordem de
desocupação proferida pela 1ª Vara Cível de Conceição da Barra – ES no autos do
Processo n. 5000217-74.2024.8.08.0015, até que o em. Relator do presente Conflito de
Competência delibere sobre a manutenção/revogação da presente liminar.
Oficie-se imediatamente aos Juízos envolvidos para ciência e cumprimento,
bem como ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
Oficie-se, também, ao Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado do
Espírito Santo para que suspenda o cumprimento da ordem de reintegração de posse
narrada.
Comunique-se, ainda (por e-mail), à Ouvidoria Agrária Nacional (ouvidoria.
agraria.nacional@mda.gov.br)
Após, distribua-se o presente Conflito de Competência a um dos em.
componentes da Primeira Seção.
Documento eletrônico VDA50541068 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN Assinado em: 15/09/2025 22:20:17”.