3 em cada 10 mulheres relatam alguma violência no último ano

Estudo revela que 21,4 milhões de mulheres no Brasil sofreram violência no último ano; aumento significativo em relação a 2023

Por Agência Estadão
Foto: Freepik

Ao menos 21,4 milhões de mulheres brasileiras – ou 37,5% da população feminina com 16 anos ou mais – foram vítimas de algum tipo de violência no último ano, segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança e do Instituto Datafolha. Entre as formas mais frequentes, estão humilhações verbais e agressões físicas, como batidas, chutes ou empurrões.

Os dados, divulgados nesta segunda-feira, 10, estão presentes na quinta edição da pesquisa “Visível e Invisível: Vitimização de Meninas e Mulheres”, que é realizada de dois em dois anos. O principal objetivo do survey de vitimização é entender a violência contra mulher para além dos registros policiais.

Foram realizadas entrevistas em 126 municípios, entre 10 e 14 do mês passado. Ao todo, 793 mulheres com 16 anos ou mais responderam a um questionário, de forma presencial, sobre formas de violência que possam ter experimentado ou presenciado ao longo dos 12 meses anteriores à coleta de dados – ou seja, entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025.

A pesquisa mostra que o porcentual de mulheres que apontaram ter sido vítimas de violência é consideravelmente maior do que na edição passada, de 2023, quando essa parcela correspondia a 28,9% das respondentes. Conforme os pesquisadores, é “difícil precisar as razões” que levaram a esse crescimento, mas há algumas hipóteses principais.

“Há camadas que vão se sobrepondo e que nos ajudam a entender o que está acontecendo”, afirma ao Estadão Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre as hipóteses, ela diz que pode ter ocorrido prolongamento do cenário apontado já no relatório de 2023, que indicou o crescimento de todas as formas de violência contra a mulher.

“Está nessa tendência de crescimento desde o fim da pandemia”, afirma. Segundo a pesquisadora, estudos conduzidos no exterior apontaram que o período pode ter elevado o controle exercido por parceiros no contexto doméstico, desencadeando novas tensões e violências diversas à medida em que houve a volta para as ruas.

Para Samira, o avanço dos discursos de ódio nos últimos anos também pode ter sido decisivo. “Houve, por exemplo, a multiplicação (na internet) de canais ‘red pill’, que têm discursos misóginos, machistas e que fazem apologia da violência contra a mulher”, diz.

A pesquisa apontou que o número médio de formas de agressão que as mulheres vivenciaram no período foi de 3,2. Em outras palavras: as mulheres vitimadas relataram, em média, mais de três tipos diferentes de violência no período.

Entre os tipos específicos de situações de violência listadas, um primeiro destaque são condutas como insultos, humilhações ou xingamentos, relatadas por 31,4% das respondentes do questionário, segundo o relatório,

“Reconhecidas como formas de violência psicológica desde a aprovação da Lei Maria da Penha, constituem uma das formas mais perversas e ocultas de violência, destruindo a autoestima, a confiança e a sensação de segurança da mulher”, aponta o estudo.

A segunda forma de violência mais vivenciada pelas brasileiras no último ano foram agressões físicas, por meio de batidas (tapas ou socos), empurrões ou chutes, com prevalência de 16,9% – na edição anterior, esta modalidade havia aparecido na terceira posição.

“Se todas as mulheres que vivenciaram este tipo de agressão física buscassem ajuda das autoridades teríamos cerca de 8,9 milhões de mulheres com 16 anos ou mais procurando a polícia para denunciar o crime”, aponta o material.

Empatados, mais abaixo, estão as ameaças de agressão e a perseguição (stalking)/amedrontamento, ambos tendo sido vivenciadas por 16,1% das mulheres.

“O crescimento do stalking preocupa muito por ser fator de risco para feminicídio. Stalking é um dos preditivos que a gente utiliza para ver risco de feminicídio”, afirma Samira. Ela alerta que trata-se de uma modalidade de crime que pode ocorrer tanto em ambientes online quanto offline, o que também complexifica o acompanhamento das autoridades.

A análise do perfil das vítimas de violência no último ano indica que mulheres de 25 a 34 anos (43,6%), de 35 a 44 anos (39,5%) e de 45 a 59 anos (38,2%) são os grupos etários mais afetados pelas diferentes formas de violência apuradas na pesquisa. Ainda assim, há elevada prevalência da violência em todas as faixas etárias, especialmente entre mulheres entre 16 e 59 anos.

Quase metade das mulheres diz ter sofrido assédio no ano passado

A pesquisa mostra ainda que 49,6% das mulheres entrevistadas afirmaram ter sofrido algum tipo de assédio, desde “cantadas” na rua até serem tocadas sem o seu consentimento. Em números absolutos, mais de 29 milhões de brasileiras com mais de 16 anos foram vítimas de assédio no último ano.

Entre as formas mais prevalentes, estão cantadas ou comentários desrespeitosos na rua (40,8%), cantadas ou comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho (20,5%) e assédio físico no transporte público (15,3%).

“O alto índice de casos relatados, por exemplo, no ambiente de trabalho diz muito, por um lado, sobre homens que resistem a mudanças na sociedade, que acham que pode ser normal utilizar da posição hierárquica e, de algum modo, da sua influência para tecer comentários desrespeitosos”, afirma Samira.

“Mas, mais do que isso, diz respeito também a cada vez mais as mulheres que têm percebido isso como forma de assédio, como uma forma de violência, o que, por muito tempo, não era reconhecido como tal”, acrescenta.

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