Uma reunião por telefone do grupo Mulheres Por Trump, na semana passada, acabou na imprensa. O que era para ser uma conversa de praxe entre ativistas e um senador jogou luz sobre um novo problema para Donald Trump, fora a recessão histórica e a pandemia que já matou 65 mil americanos: os republicanos podem perder a maioria no Senado na eleição de 2020.
Em novembro, os eleitores decidirão quem vai ocupar 36 das 100 cadeiras no Senado. Hoje, a divisão é de 53 republicanos e 47 democratas ou independentes que votam com democratas. Além de manter as vagas que já possuem, os democratas precisam ganhar 3 ou 4 novos assentos para ter a maioria na casa – no caso de ganharem a presidência, são necessárias três cadeiras a mais, pois a quarta é do vice-presidente.
Com a Câmara nas mãos da oposição, Trump ficará engessado se perder também o voto dos senadores, ainda que consiga se reeleger. Na última semana, o presidente decidiu mudar sua campanha, diante de pesquisas internas que mostram ascensão do democrata Joe Biden e queda dele em Estados-chave.
Para garantir a governabilidade em um eventual segundo mandato, o republicano precisa assegurar o controle de uma das Casas, mas a crise atual deu instabilidade extra para as disputas estaduais. O tema das campanhas para o Senado deixou de ser sobre questões locais e passou a ser sobre o sucesso ou fracasso das respostas ao coronavírus. O Senado foi fundamental para barrar o processo de impeachment que já havia passado pela Câmara.
Na ligação com as Mulheres Por Trump, o senador republicano pela Geórgia David Perdue admitiu: “O Estado da Geórgia está em jogo. Os democratas conseguiram isso”. O áudio foi obtido pela emissora CNN. Com dois votos em disputa para o Senado, a Geórgia seria tradicionalmente um território seguro para os republicanos.
A resposta à pandemia deve determinar não só o resultado das eleições para presidente, mas também o das disputas locais. Os parlamentares com mandato se beneficiam da exposição e das medidas que têm aprovado para combater a crise de saúde e econômica.
“Os governadores passaram a ter alta popularidade. O governante que defendeu o distanciamento social ganhou popularidade e, portanto, ganhou também capital político”, afirma Mauricio Moura, professor da Universidade George Washington e presidente do instituto de pesquisa Idea Big Data.
Antes da crise, a oposição mirava as disputas no Colorado, no Arizona, em Maine e na Carolina do Norte, consideradas as mais competitivas. Agora, há incerteza mesmo em Estados onde o sucesso era tido como garantido pelos republicanos, como a Geórgia. Os democratas têm mantido alto fluxo de doações dos Super PACs às campanhas estaduais ao Senado, demonstrando que a atenção está voltada para garantir a maioria no Congresso.
No caso da Geórgia, o governador republicano Brian Kemp estampou as manchetes do país ao decidir reabrir o comércio no Estado no dia 23, a despeito de alertas contrários de médicos e especialistas. A flexibilização das regras de isolamento incluiu a retomada de manicures, cabeleireiros, espaços de massagem, academias de ginástica e estúdios de tatuagem. Trump, que vinha pressionando para a retomada das atividades nos Estados, criticou o republicano: “Eu não estou feliz com Brian Kemp”, disse.
“Não dá para saber ainda como a pandemia baterá em cada Estado. Louisiana não é um Estado-pêndulo, mas pode passar a ser, porque é uma região onde o coronavírus atingiu com força. A forma como cada Estado vai reagir à covid-19 tende a trazer um grande impacto”, afirma Moura.
Apoio a democrata
O vírus também é central na disputa da Carolina do Norte. O senador republicano Thom Tillis, que tenta garantir a reeleição, passou a apoiar as medidas do governador democrata para determinar fechamento do comércio e do isolamento social pelo menos até o dia 8. “Ainda não eliminamos o vírus. A última coisa que podemos fazer é baixar a guarda agora”, afirmou o senador, em desacordo com outros líderes republicanos.
A vitória do republicano foi apertada na última eleição, com menos de 2 pontos porcentuais de diferença do rival democrata. O concorrente pelo lado democrata, o veterano Cal Cunningham, acusa o senador de não pressionar o governo federal o suficiente para distribuir ao Estado equipamentos de proteção aos profissionais de saúde.
A proximidade com Trump, um trunfo para candidatos republicanos, pode, desta vez, se mostrar um desafio para os que fizerem campanha em locais muito afetados pela pandemia.
O Partido Republicano parece reconhecer o problema. Um memorando de estratégia foi elaborado por um marqueteiro e encaminhado aos candidatos ao Senado com orientações sobre como tratar a crise. O documento, obtido pelo site Politico, orienta os candidatos a culpar a China pela pandemia, a fazer relações entre os democratas e o governo chinês e evitar entrar em discussões sobre a forma como Trump lida com a crise.
O recado é para que os candidatos comentem apenas a restrição de voos vindos da China imposta por Trump em janeiro, ao falar sobre as medidas adotadas pela Casa Branca. O ideal, argumentam os estrategistas, é reconhecer que autoridades de saúde pública demoraram a agir, mas colocar a culpa na China.
Presidência. Embora não haja detalhes das pesquisas internas que preocupam Trump na disputa presidencial, sabe-se que as sondagens se referem a Estados-chave na eleição. O presidente americano não é escolhido pelo voto direto, mas por 538 votos de um colégio eleitoral alocados para cada Estado, de acordo com a população. Por isso, a eleição presidencial de novembro será decidida por alguns Estados, como Flórida, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin.
Trump chegou a apresentar uma recuperação de popularidade no fim de março, com o país já mergulhado na epidemia. A desaprovação a seu governo era então de 45%, segundo o Instituto Gallup. Em abril, saltou para 54%, tendência similar à de outras pesquisas, nacionais e regionais. Assessores querem que Trump diminua as declarações diárias sobre a pandemia. Ele quer mantê-las. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.