Embora o aborto legal seja um direito assegurado pela Constituição às mulheres vítimas de estupro, má formação do bebê ou risco de vida para a gestante, uma lei sancionada pelo prefeito Lorenzo Pazolini em setembro deste ano determinava que fossem fixadas em hospitais e unidades de saúde placas com orientações contrárias à interrupção da gravidez.
Segundo a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), os cartazes continham mensagens que violavam direitos assegurados às mulheres pela legislação nacional, contrariando normas técnicas de saúde, com conteúdo sem base científica, promovendo desinformação.
A medida, no entanto, não durou muito tempo graças a uma ação apresentada pela Defensoria e acatada pela Justiça. Em seu despacho, o juiz Carlos Magno Moulin Lima, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, disse que há “manifesta incompatibilidade da norma com a Constituição da República e com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil”.
O magistrado considerou ainda que a lei municipal invade a competência legislativa da União e, no plano material, “viola frontalmente a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde e a obrigação do Estado de garantir atendimento público baseado em evidência científica e em respeito à autonomia das pessoas”.
O Poder Judiciário ainda determinou que o município deixe de afixar nos estabelecimentos de saúde de sua rede própria, independentemente da forma de gestão adotada, as placas ou cartazes, bem como deixe de cobrar o cumprimento das obrigações dispostas na lei ou aplicação de qualquer de suas sanções, sob pena de multa diária.
À reportagem do portal ES360, a Prefeitura de Vitória informou por nota que reafirma seu compromisso com o respeito às instituições e a observância das normas legais, e informa que cumprirá a decisão judicial.
Defensoria diz que lei viola direitos
Entre os principais argumentos, a DPES destacou que o município não possui competência para legislar sobre a matéria, que se insere na esfera do Direito Civil, Penal e das políticas nacionais de saúde, de competência privativa da União.
“A Defensoria Pública segue atuando no caso para garantir que o acesso à saúde seja pautado pelo respeito, pela ciência e pela dignidade, livre de constrangimentos e em conformidade com a legislação federal e os direitos humanos das mulheres”, informou a Defensoria.
O que diz o autor da lei
A reportagem do portal ES360 também procurou o vereador Luiz Emanuel (Republicanos) para comentar a decisão. Por meio de sua assessoria, o parlamentar informou que já esperava pela suspensão, já que, na sua avaliação, a matéria foi distorcida pelos colegas de plenário que fazem parte da oposição.
Segundo Emanuel, os cartazes tinham como objetivo informar e garantir saúde às mulheres que buscam fazer o aborto ilegal, ou seja, fora das exceções garantidas pela Constituição. Além disso, a assessoria do parlamentar destacou ainda a importância de fazer alerta sobre os riscos do procedimento. Diante da decisão da Justiça, o gabinete vai avaliar o despacho e avaliar se vai recorrer.
O que diz a Lei que foi suspensa
Art. 1º Fica estabelecida a obrigatoriedade de afixação de placas ou cartazes informativos acerca do aborto nas unidades hospitalares, instituições de saúde, clínicas de planejamento familiar e outros estabelecimentos relacionados à saúde, no âmbito do município de Vitória.
I – “Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito.”
II – “Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?”
III – “Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida!”
Art. 3º As placas deverão ser visíveis e com dimensões adequadas, possibilitando a fácil leitura.
I – advertência no caso do primeiro descumprimento; e
II – multa de R$ 1.000,00 (mil reais), nos casos de reincidência.
Oposição comemora suspensão da Lei
A vereadora Karla Coser (PT) comemorou a decisão e afirmou que essa é uma luta coletiva da Frente pela Descriminalização e Legalização do Aborto do ES, dos nossos mandatos, dos coletivos, advogadas e profissionais que trabalham diretamente com meninas que sofrem violência.
“Eu já vinha denunciando a inconstitucionalidade e ilegalidade dessa lei e fico esperançosa com essa decisão liminar. Vitória não pode ser lugar de mais violências para meninas e mulheres. Os serviços de saúde devem ser de acolhimento, não de terror e julgamentos.”
A vereadora Ana Paula Rocha (PSOL) declarou que a Justiça deu razão às mulheres. “Vitória da dignidade, da ciência e dos direitos humanos. Derrota do machismo e do conservadorismo que tentam controlar nossos corpos. Seguimos em luta por um SUS acolhedor e livre de fundamentalismo”, afirmou.