Recuperação judicial e o Terceiro Setor

Autor convidado: Neimar Zavarize, advogado especialista em Direito Empresarial. Possui formação também em Recuperação Judicial de Empresas e Falência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

No Brasil, a recuperação judicial e extrajudicial é regulamentada pela Lei 11.101/2005 que, em princípio, optou por disponibilizar essa interessante ferramenta jurídica apenas às empresas com fins lucrativos e que buscam superar a situação de crise econômico-financeira, permitindo a manutenção da fonte de produção e de emprego, sem esquecer da preservação dos interesses dos credores. Em suma, tem como foco o soerguimento da empresa, da sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Nesse sentido, muito se discute sobre a possibilidade das empresas do terceiro setor pleitearem judicialmente a recuperação judicial, especialmente agora, quando a crise econômica mundial atingiu praticamente todas as empresas e setores (público e privado) e as entidades sem fins lucrativos também estão sofrendo severamente com a escassez de recursos. São as sociedades civis organizadas como ONG’s, entidades filantrópicas, cooperativas, organizações religiosas, associações esportivas, dentre outras.

E a discussão reside exatamente no fato de que tais empresas (do terceiro setor) têm como principal característica não possuírem fins lucrativos e, por isso, não se enquadrarem propriamente no conceito de empresas protegido pela Lei recuperacional. Além disso, argumenta-se que tais entidades já seriam amplamente beneficiadas por uma tributação menos rigorosa, com isenções de alguns tributos e redução de alíquotas de outros, o que tornaria o acesso à recuperação judicial desigual em relação às empresas que possuem fins lucrativos e, por isso, não são contempladas pelas mesmas benesses.

Sem a recuperação judicial, restaria às entidades do terceiro setor as vias normais de renegociação de dívidas e a esperança de obterem recursos externos, como doações por exemplo, para que possam prosseguir na sua penosa existência. Mas, na maioria das vezes, o resultado não é satisfatório e sequer o processo falimentar lhes é garantido de forma indiscutível.

Todavia, alguns julgamentos recentes demonstram que esse entendimento vem sendo reinterpretado pelo judiciário, com decisões favoráveis às entidades do terceiro setor, no sentido de lhes permitir que obtenham acesso à recuperação judicial e até mesmo ao processo falimentar.

Ademais, diversos projetos de alteração e aperfeiçoamento da Lei 11.101/2005 preveem a possibilidade de entidades sem fins lucrativos aderirem à recuperação judicial e falência, destacando-se o PL 1.397-A/20, de caráter emergencial, já aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal.

Entidades sem fins lucrativos, em regra, são instituições que funcionam como empresas, gerando riqueza, empregos e tributos, exercendo pela via transversa a atividade econômica protegida pela Lei de recuperacional, tendo como principal diferença apenas o fato de não distribuírem os lucros a seus associados, já que são obrigadas a reinvesti-los na própria entidade.

Assim, em momentos difíceis como o atual é que se espera do judiciário e especialmente do legislador a sensibilidade para adequar normas à realidade, não deixando que formalismos e conceitos ultrapassados entravem ainda mais o desenvolvimento econômico do país.