O Brasil Após o COVID 19

Gestão –O Brasil após o COVID19

Por Ulisses Pincelli

Nem os planejadores estratégicos mais experientes poderiam prever ou desenhar um cenário tão turbulento, volátil e de dramáticas conseqüências para países, empresas, famílias e indivíduos neste 2020.

Conversando de forma remota com amigos, me veio em mente que apenas muito poucos de nós vivenciou algo tão impactante como a pandemia da COVID19. E estes são quase ou já são seres humanoscentenários!

Há cerca de 102 anos, nem bem o mundo saía da 1ª Guerra mundial, tivemos a Gripe Espanhola, que levou a óbito – no mínimo – 50.000.000 de pessoas no mundo entre 1918 e 1920. Sua difusão se deu pela movimentação de tropas que participaram do confronto mundial. No Brasil estima-se que 35.000 brasileiros tenham morrido, em todas as regiões do país, devido à Gripe Espanhola.

Outros eventos causaram grande impacto na vida de países, das empresas e pessoas. Um deles foi o “Crash” da Bolsa de Nova Iorque em 1929. A falência de muitas de empresas pelo estouro de uma bolha de crédito, gerou desemprego, fome e desespero a milhões de pessoas nos Estados Unidos e no mundo. O outro foi a 2ª Guerra mundial entre 1939 e 1945, ceifando cerca de 70.000.000 de vidas, algo como 2% da população mundial à época.

Mais recentemente, eventos como o 11-set-2001, o ataque às Torres Gêmeas em Nova Iorque pelo Grupo Terrorista AL QAEDA e a crise do “sub-prime” entre 2007/2008, com ápice em 15-set-2008 com a quebra do centenário banco Lehman Brothers, no estouro da bolha do mercado imobiliário americano, que contaminou as finanças do mundo todo.

Sou nascido no início dos anos 60 e, mesmo tendo vivido muitas transformações e eventos marcantes até hoje, a pandemia da COVID19 certamente foi o que trouxe maior sentimento de impotência e perplexidade a mim, penso que a todos nós.

Nos anos 60, mesmo sendo apenas um garoto, tenho algumas lembranças de todo alvoroço causado pelo “é proibido proibir” movimento da juventude francesa em 1968 questionando as instituições e padrões da época. Em 1969 assistimos em família e numa TV– preto e branco – a válvula, a Apolo 11 chegar à lua e Neil Armstrong dar seus primeiros passos, pequenos para o homem, um salto para a humanidade. Em 1970, na mesma TV assistimos o Brasil se sagrar Tri-Campeão mundial de futebol no México.

Na virada dos anos 60 para os 70 muita coisa acontecia além destes eventos. A Guerra do Vietnam trouxe um grande questionamento da juventude americana de participar deste confronto armado. Um grande show de música em 1969 nos Estados Unidos – Woodstock –pregava “sexo, drogas e rock n’ roll”. O movimento Hippie, de uma vida alternativa ao “establishment” também pregava “Paz e Amor” ou “Faça Amor não faça guerra”. O movimento feminista “Women’sLib” ganha força e a liberação sexual, independência das mulheres e seu novo papel para si e na sociedade se estabelece até os dias atuais.

Tivemos também uma mudança importante no custo de “mover o mundo”. Os países da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo – deflagrou uma alta de preços em duas ondas, a primeira em 1973 e a segunda em 1979. O Brasil, que vinha de forte crescimento econômico é duramente impactado. Como nossos empréstimos foram contraídos em moeda forte, sofreu o efeito cambial e catapultou nossa dívida, tida não apenas como dívida externa, mas como “eterna”, tamanha dificuldade em pagá-la naquele novo cenário.

Em 1979 o fundamentalismo islâmico toma o poder no Irã. Numa revolução popular é deposto o Xá Reza Phalavi e assume o poder, religioso e político, o Aiatolá Khomeini. As tensões regionais sobem de tal forma que eclode a Guerra Irã-Iraque e a crise do petróleo se estende até o final dos anos 80.

No Brasil, em 1981, o então Presidente da República João Baptista Figueiredo – empossado com a missão de devolver o poder político à sociedade civil, declara a Anistia “ampla, geral e irrestrita”. Todos os políticos, artistas exilados iniciam seu retorno ao Brasil.

Em 1984, a despeito da movimentação popular para as eleições diretas à Presidência da República, as “Diretas Já”, Tancredo Neves é eleito de forma indireta, Muito doente, Trancredofalece sem de fato assumir. Seu vice, José Sarney, assume a presidência do Brasil.

Em 1988 a Assembléia Nacional Constituinte apresenta o texto final e é promulgada a conhecida e atual “Constituição Cidadã” no Brasil.

Em 1989, surpreendendo também a todo o mundo, cai o Muro de Berlim, encerrando um logo período conhecido como Guerra Fria, na polaridade estrelada pelos Estados Unidos e URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, período compreendido entre 1945 e 1989. No Brasil, neste mesmo ano e após 25 anos, elegemos por eleições diretas, Fernando Collor de Mello nosso presidente da república.

No início dos anos 90, assistimos pela 1ª vez na história, uma Guerra transmitida “ao vivo”. Lembro de ter “varado” a noite e madrugada assistindo a Guerra do Golfo Pérsico pela TV. O correspondente que transmitia pela Rede CNN americana era o Repórter Peter Arnett, que ganhou fama mundial neste evento. Em 1990 acontecia, de forma silenciosa até, o surgimento de algo que mudou nossas vidas até hoje: o http:// ou hipertexto, que trouxe a internet e com ela uma velocidade de transformação das nossas vidas sem precedentes.

Os anos 90 foram muito importantes no Brasil. O presidente Collor sofre impeachment, assume seu vice-presidente, Itamar Franco, que autoriza sua equipe econômica a formular o Plano Real, conseguindo domar o monstro da hiper-inflação que vivíamos naquele momento. Vivemos naquele momento um período muito importante e de inclusão social no Brasil, porém não conseguimos endereçar e resolver as questões básicas de cidadania tais como moradia digna, saneamento básico, água tratada, educação, saúde e segurança públicas.

Há pouco mais de 20 anos, tivemos o grande temor do “Bug do Milênio”, que era a preocupação da passagem de 31-dez-1999 para 01-jan-2000 causar danos nos sistemas de TI de países, bancos e empresas. Felizmente conseguimos superar devidamente e sem colapsar as finanças mundiais.

Em 2001, os Estados Unidos sofrem no coração financeiro de seu país – e um dos grandes do mundo – forte ataque terrorista. O Grupo AL QAEDA atinge as Torres Gêmeas em Nova Iorque no dia 11-set-2001, demandando sérias mudanças na forma de se viver e se locomover. Quem viajava de avião desde os anos 90 ou antes sabe a grande mudança na segurança a bordo de aviões e nos aeroportos do mundo.

Entre 2007 e 2008, os Estados Unidos e o mundo sentiram a crise do Sub-Prime e o estouro da bolha imobiliária que eclodiu em 15-set-2008 com a quebra do centenário Banco Lehman Brothers, seguido de inúmeras e tradicionais instituições bancárias e securitárias que também faliram, inclusive no Brasil.

Certamente as 2 Guerras Mundiais, a Gripe Espanhola, o advento do HIV e AIDS tiveram um forte impacto na vida e mesmo na segurança e integridade física das pessoas. Com a chegada da pandemia do COVID19, as mais novas gerações e todos nós experimentamos algo completamente novo e que não estávamos preparados.

Os avanços tecnológicos e na medicina, como a melhoria da qualidade de vida da população mundial, maior oferta de alimentos, medicamentos e medicina preventiva, vacinas em massa mudaram, de fato revolucionaram, a pirâmide etária dos países e do mundo.

Com o planejamento familiar, métodos contraceptivos eficazes e menor taxa de mortalidade, os países desenvolvidos e ricos viram sua população amadurecer e tiveram seu apogeu juntamente com os seus “bônus populacional”, que acontece uma vez na história dos países e quando estes têm o maior estrato da população entre 20 e 60 anos de idade, composição que gera trabalho e riqueza maiores que quando a população envelhece e a relação de jovens / idosos cai.

Nos países mais pobres, subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, a riqueza não se distribui como nos países desenvolvidos e, devido a isso, a fome, mortes decorrentes de condições precárias de saneamento básico e fornecimento de água tratada são muito freqüentes e ceifam milhões de vidas na África e países mais pobres da Ásia e América Latina.

A COVID19 trouxe ao mundo desenvolvido um fato novo e desconhecido por muitos, algo que ocorre diariamente – de forma triste e silenciosa –nos países pobres do Globo: a morte, por questões de saúde, em larga escala. Seria inevitável, ante um inimigo “invisível”, um vírus, que não houvesse grande comoção mundo afora. Milhares de vidas foram perdidas nestes primeiros meses de 2020 e devido à COVID19. Vimos os sistemas de saúde, mesmo de países ricos e desenvolvidos, colapsados pelo grande número de pessoas infectadas e em estado grave chegando às UTI’s ao mesmo tempo.

Sem entrar na polêmica discussão da eficácia – ou não – dos Isolamentos Sociais conhecidos como “Lockdown” Horizontal e Vertical, o fato é que o Brasil, assim como o mundo, freou de forma abrupta sua economia, atingindo imediatamente e em nosso país, milhares de empresas e empregos. Estima-se que 600.000 empresas já fecharam definitivamente suas portas e que 9.000.000 de empregos foram perdidos.

Eu espero e conto que gradualmente possamos retomar a atividade econômica em nosso país, com novos cuidados de maior isolamento social voluntário, higiene pessoal e de grupos.

Nos deparamos com uma nova realidade pós COVID19. Novos paradigmas foram e serão lançados!

Nos ambientes corporativos o trabalho presencial dará vez, cada vez mais, ao trabalho realizado de forma remota, seja em Home Office, seja em espaços de Co-Working.

Os Shopping Centers, antigos templos de consumo, terão de se reinventar, se é que isso será realmente possível. Temo mesmo que o modelo de negócios pré COVID19, não funcione mais. As transformações serão profundas e sem volta!

Todo tipo de aglomeração deverá ser questionado e evitado, mesmo que de forma voluntária. As pessoas mudarão seus hábitos de trabalho, consumo e lazer. Será priorizado o essencial. O consumo no lar ganhará cada vez mais relevância. Negócios que não tiverem uma azeitada plataforma “online” e boa logística estarão fadados a não existir neste novo paradigma.

Junto com e até nos Shopping Centers, Cinemas, Teatros, Bares e Restaurantes deverão ser remodelados. O custo será maior e o menos acessível à maioria da população. Talvez seja até um luxo neste novo mundo.

Eventos religiosos, mesmo as Missas presenciais, eventos e festas populares, certamente sofrerão profundas transformações. Talvez muitas sejam extintas!

Os empreendedores que se prepararam previamente para operar “off line” (modelo presencial) e “online” de forma integrada, certamente saíram na frente e tem maiores chances de prosperar num mundo com medo de aglomerações. O isolamento voluntário das pessoas e famílias é algo que fará parte da modelagem de qualquer negócio pós COVID19.

Algumas questões importantes que ainda não estão devidamente endereçadas são o uso de inteligência artificial em substituição ao atendimento por seres humanos. Empresas prestadoras de serviços em todas as áreas deverão aprofundar os investimentos em desenvolver plataformas de atendimento cada vez mais automatizadas.

O uso de robôs para realizar alguns trabalhos tipicamente realizados pelo homem também deverá ganhar relevância.

Entendo que no século 21 um “analfabeto funcional” seja aquele que não consiga ter boa interlocução externa com o mundo usando as plataformas digitais.

Como se organizará esta nova sociedade?

Esta é a pergunta de alguns bilhões, até de trilhõesde dólares.

Mesmo que sejamos otimistas, temos um enorme desafio de preparar as pessoas – mundo afora – para estes novos paradigmas e profissões. A distância para estes aprendizados é muito grande nos países pobres e em desenvolvimento. O Brasil faz parte deste grupo. Precisamos então nos preparar como sociedade para esta nova realidade que já chegou.